Prefiro sua autonomia ao custo de ter você ao meu lado
Repensando as dinâmicas de poder e a responsabilidade pelas escolhas nas relações
#CNV nas relações íntimas
“Por favor, só faça isso se estiver disposto/a. Nunca faça nada por mim contra a sua vontade. Nunca faça nada por mim se houver o mínimo de medo, culpa, vergonha, ressentimento ou resignação por trás de seus motivos. Senão, ambos sofreremos.” Marshall Rosenberg
Não à toa, eu me enamorei da Comunicação Não Violenta. Não pelo modelo de comunicação que ela (também) apresenta, mas sobretudo pelos convites que ela nos faz a uma maneira mais responsável e efetivamente nutritiva de nos relacionarmos uns com os outros.
Hoje, consigo perceber com muita clareza os comportamentos regidos pela dinâmica coerção/submissão que aprendemos e seguimos reproduzindo em nossas relações, apesar do desgaste emocional e do envenenamento que ela nos impõe, dia após dia:
Eu faço (apenas) porque você está me pedindo e, a partir deste momento, criarei uma dívida relacional contigo, que claro, cobrarei no futuro (talvez eu chame isso de reciprocidade).
Eu faço (apenas) porque você fez algo que te pedi no passado. Então, agora sou eu que estou pagando a dívida que tenho com você. Me parece uma dinâmica “normal”, mas percebo o quanto me desgasto ou me desanimo, ao “doar” desde essa anergia.
Eu faço (apenas) porque acho que é o certo a se fazer. Há uma demanda ou acordo social-cultural de que isso é o que eu deveria fazer. Foi o que sempre escutei ou sigo escutando. Então tenho medo de ser punido ou excluído, caso não atue como esperado.
… Mas, em realidade, eu não queria fazer. Não agora, não desse jeito.
E como é que essa dinâmica, na qual estamos viciados, não vai impactar negativamente nossas relações? É impossível. Afinal, cada vez que fazemos aquilo que esperam de nós, em lugar daquilo que realmente queremos fazer, colocamos nossa insatisfação na conta do outro. A gente abre mão de nós mesmos, e ao mesmo tempo, alimenta histórias do quanto somos exigidos e cobrados, do quanto ‘temos que’ ceder ao outro.
Nesse cenário, claro que a relação vai se tornando, aos poucos, um lugar ruim no qual não queremos mais estar. E, não, eu não estou considerando nenhuma outra dinâmica relacional ou particularidade das relações, eu estou mesmo dizendo que apenas essa atuação baseada na coerção/submissão, tão naturalizadas, já pode ser suficiente para ‘estragar tudo’.
O que a gente não se dá conta é que a culpa não é do outro, mas sim da própria maneira que aprendemos a nos relacionar. E a gente precisa aprender, se quisermos trazer mais satisfação para nossas vidas e relacionamentos. Responsabilizar os outros por nossas escolhas é só parte da dinâmica, é o que está ‘autorizado’, validado socialmente, mas não nos serve. Ao contrário, é um dos principais motivos para que sigamos presos nesses ciclos de vitimização/vilanização e consequente insatisfação.
- Você quer vir encontrar a gente aqui? Estou com meus amigos. Mas se você não quiser, eu posso ir pra casa.
- Eu não quero ir. Estava mais conectada ao que havíamos combinamos antes. Mas aproveita aí com seus amigos, a gente pode se ver outro dia.
- Desculpa, eu fui levado pelo momento, mas se você quiser, eu ainda posso ir te encontrar.
Esse é o trecho inicial de uma conversa que tive com alguém com quem tinha combinado de sair, há algumas semanas. Decidi trazê-la para ilustrar minhas reflexões, tão vivas, sobre essa dinâmica de poder que aprendemos a reproduzir nas relações.
No momento em que recebi as mensagens, embora eu pudesse facilmente me conectar com os desejos e emoções por trás do que estava sendo dito, me senti realmente incômoda com as expressões que indicavam que eu ‘estava no poder’ de decidir sobre o que ele faria.
Primeiro porque eu sei que não tenho esse poder. Por mais que o meu desejo fosse manter nossos planos para aquela noite, o que pude expressar, eu sabia que apenas ele poderia decidir o que realmente iria fazer.
Segundo porque eu tenho verdadeiro pavor da ‘possibilidade’ de ter esse poder de decidir pelo outro. Isso porque como conversamos antes, caso ele tomasse a decisão de me encontrar (apenas) porque eu queria, eu tinha a certeza que isso seria ‘colocado na minha conta’ e provavelmente, cobrado depois. Não seria, portanto, uma escolha genuína por compartilhar, mas uma submissão a um desejo meu apenas a manutenção do compromisso acordado anteriormente. E eu, definitivamente, não quero receber a partir dessa energia. Quero receber apenas aquilo que realmente me quiserem ofertar, ao mesmo tempo, em que desejo profundamente respeitar a autonomia das pessoas com as quais me relaciono.
Eu queria que ele tivesse se perguntado sobre o que realmente desejava naquele momento e pudesse expressar isso de forma honesta, abrindo espaço para lidar com os impactos e as consequências de sua decisão. Mas, claro que eu sei que isso seria ‘diferente demais’ para a maioria das pessoas. Significaria precisamente romper a dinâmica da coerção/submissão nas relações, e se aproximar de uma dinâmica de responsabilidade e interdependência. Dinâmica esta que certamente pode gerar tensões e conflitos desconhecidos, e certamente demanda uma maneira diferente de nos comunicar, mas que sem dúvidas pode nos aproximar de mais saúde e satisfação que tanto desejamos em nossas relações.
Escrevo para elaborar minhas próprias vivências e aprendizados — e compartilho para lembrar que não estou sozinha nessa jornada.
Gostou do texto? Compartilhe nos Stories marcando @thayna.meirelles no Instagram ou aqui mesmo no Substack, fazendo um restack do seu trecho favorito!
lindo!
"Eu faço (apenas) porque acho que é o certo a se fazer" – acho que esse é um dos condicionamentos que eu mais tenho dificuldade em me livrar, ainda hoje, mas bate um orgulho quando percebo situações em que consegui.
Obrigado pelo texto, chegou aqui gostoso e provocante ❤️